Popularmente chamada de lei dos planos de saúde, a Lei 9.656/98 é a principal legislação que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde no Brasil.
Ela é considerada um marco legislativo para o segmento, uma vez que, antes de sua aprovação, as regras de oferta de planos de saúde eram negociadas entre operadora e cliente.
Esse cenário mudou para os contratos celebrados a partir de 1º de janeiro de 1999, que devem atender às exigências da Lei 9.656/98.
Em seu Art. 1º, § 1o, por exemplo, o texto afirma que:
“Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:
a) custeio de despesas
b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada
c) reembolso de despesas
d) mecanismos de regulação
e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos solicitados por prestador escolhido pelo consumidor e
f) vinculação de cobertura financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico-assistenciais”.
Na sequência, trago detalhes sobre o que diz a legislação.
O que diz a lei dos planos de saúde?
A legislação aborda diversos pontos essenciais para a operação e oferta de convênios médicos e odontológicos.
Autorização de funcionamento para as operadoras
Demonstração da viabilidade econômico-financeira dos planos oferecidos e registro nos Conselhos Regionais de Medicina e Odontologia estão entre as exigências de funcionamento das operadoras.
Elas devem ser pessoas jurídicas e cumprir todas as regras determinadas para obter a autorização por parte da ANS.
Mesmo o encerramento das atividades das operadoras depende de autorização prévia da Agência, a fim de dar segurança aos clientes.
O órgão determina, por exemplo, a garantia de continuidade da prestação de serviços a usuários internados.
Regulação das segmentações assistenciais
A Lei 9.656/98 estabeleceu as características dos tipos de plano de saúde disponíveis, definindo 12 combinações possíveis, baseadas em cinco classificações fundamentais.São elas:
- Ambulatorial: inclui consultas, exames e procedimentos simples. Não cobre cirurgias e internações
- Hospitalar: contempla cirurgias, internações e outras rotinas realizadas dentro do hospital, com exceção de procedimentos obstétricos
- Hospitalar com Obstetrícia: oferece operações, internações, parto e procedimentos obstétricos, englobando atendimento durante o primeiro mês de vida do recém-nascido
- Referência: é o plano modelo da operadora, fornecendo assistência ambulatorial, hospitalar e obstétrica, com internação em enfermaria
- Odontológico: exclusivo para consultas, exames e procedimentos prescritos pelo cirurgião-dentista.
Os serviços cobertos por cada modalidade são detalhados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.
Prazos máximos de atendimento
Outro tema disciplinado pela legislação foi a carência, ou seja, o tempo de espera para que o beneficiário possa usufruir dos serviços cobertos.
- Urgências (acidentes pessoais ou complicações no processo gestacional) e emergências (risco imediato à vida ou lesões irreparáveis): até 24 horas
- Partos a termo (em condições normais): até 300 dias
- Demais serviços: até 180 dias.
Importante destacar que esses são os prazos máximos para o atendimento.
Vigência e renovação do contrato
Ficou estabelecido que os planos de saúde têm vigência mínima de um ano.
Após esse período, o contrato é renovado automaticamente, sendo proibida a cobrança de taxas para a continuidade do serviço.
Em seu Art. 13, a lei dos planos de saúde ainda veda a recontagem de carências e a rescisão unilateral do contrato,
“Salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência”.
Regras de reajuste
As normas permitem que as operadoras apliquem o reajuste por faixa etária, desde que as idades e detalhes sobre os aumentos na mensalidade estejam especificados no contrato.
E que a última atualização devido à faixa etária seja feita antes dos 60 anos.
Informações no contrato
O documento que oficializa a prestação de serviços cobertos pelo plano de saúde deve conter várias informações.
Elas estão listadas no Art. 16, que afirma que o contrato deve ter:
• Condições de admissão
• Início da vigência
• Períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames
• Faixas etárias e os percentuais de reajuste
• Condições de perda da qualidade de beneficiário
• Eventos cobertos e excluídos
• Regime, ou tipo de contratação
• Franquia, limites financeiros ou percentual de coparticipação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica
• Área geográfica de abrangência
• Critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias
• Número de registro na ANS.
É muito importante que o contrato seja conduzido com total transparência entre operadoras e clientes.
Lei dos planos de saúde atualizada: o que há de novo?
Em vigor desde 21 de setembro de 2022, a Lei 14.454/22 promoveu uma mudança significativa em relação ao uso do Rol da ANS, alterando a lei dos planos de saúde para:
“Estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar”.
A nova legislação nasceu do Projeto de Lei 2.033/2022, aprovado pelo Senado no final de agosto para atender ao pleito de usuários e associações de beneficiários de convênios médicos.
A mobilização popular teve início após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Em junho de 2022, o STJ havia tornado o rol taxativo, restringindo os procedimentos cobertos pelas operadoras ao que estivesse descrito na lista da ANS.
O entendimento causou preocupação entre beneficiários como pais de crianças com doenças raras e deficiências, que temeram pela descontinuidade do tratamento coberto por seus planos de saúde.
Assim, posicionaram-se contra a visão do STJ, pedindo a avaliação de casos que necessitam de terapias diferenciadas e não citadas no rol.
O que desencadeou o processo de composição e apresentação do PL 2.033/2022 como alternativa para modificar a Lei 9.656/98.
Veja abaixo o que mudou.
Rol é exemplificativo
Alterado pela Lei 14.454/22, o Art. 10, § 12 da Lei 9.656/98 passa a vigorar com a seguinte redação:
“O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde”.
Em seguida, o texto diz que, em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol, mas prescrito por médico ou odontólogo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora do plano.
Esse novo entendimento torna o rol exemplificativo, ou seja, servindo apenas como base para os procedimentos cobertos pelo convênio médico ou odontológico.
Na prática, clientes que necessitem de outros serviços não precisam mais acionar a Justiça para solicitar a cobertura, podendo solicitá-la direto às operadoras.
Critérios para a cobertura de procedimentos não listados no rol
Ao mesmo tempo em que permite a inclusão de procedimentos nas coberturas a partir de pedidos dos clientes, a legislação impõe condições específicas para que sejam aprovados.
Os critérios são expressos no § 13 do Art. 10, exigindo que:
“Exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico ou
“Existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais”.
Quais as coberturas obrigatórias segundo a lei dos planos de saúde?
A legislação estabelece coberturas mínimas de acordo com a segmentação assistencial.
Contudo, vale lembrar que o detalhamento dos procedimentos é feito apenas no rol da ANS, lista atualizada, geralmente, a cada dois anos.
Para se ter uma ideia da extensão do rol, as últimas versões contavam com mais de 3 mil itens.
Já a cobertura básica para cada tipo de plano de saúde consta no Art. 12 da Lei 9.656/98, que exige:
- Para o plano ambulatorial: consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes
- Para o plano hospitalar: internações hospitalares em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, cobertura de despesas referentes a honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação, exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, realizados durante o período de internação hospitalar, cobertura de taxas e remoção do paciente, tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, desde que relacionados à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar
• Para o plano hospitalar com obstetrícia: todos os procedimentos citados acima, acrescidos de cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto
• Para o plano odontológico: consultas e exames auxiliares ou complementares, solicitados pelo odontólogo assistente, procedimentos preventivos, de dentística e endodontia, cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia geral.
Lembrando que, como cobertura básica, o que está descrito representa o mínimo a ser disponibilizado aos beneficiários.